
No início do século 16, gatos e teiús aportaram no arquipélago de Fernando de Noronha (PE) vindos da Europa. O objetivo em trazê-los era “povoar” o local com animais de estimação e espécies exóticas que pudessem interagir com a fauna local. Mais de 400 anos depois desse movimento, outras populações sentem o impacto da inserção.
Acredita-se que, por conta do isolamento das ilhas, as espécies nativas desses locais são naturalmente mais frágeis e muito menos adaptadas a predadores. Isso favoreceu, no caso de Fernando de Noronha, uma superpopulação dos animais introduzidos.
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Carcaças de aves são demonstração do hábito voraz das espécies — Foto: Ricardo Augusto Dias/Acervo Pessoal
Dados recentes indicaram que os lagartos teiús lideram o “ranking populacional”. São aproximadamente 9.500 indivíduos para os 26 km² do arquipélago. O volume assusta: enquanto a China apresenta a densidade de 145 pessoas/km², Fernando de Noronha tem uma população de 365 lagartos/km².
Com doutorado em modelagem ecológica e manejo de espécies invasoras em ilhas, a bióloga Tatiane Micheletti detectou que esse montante de lagartos pode estar gerando consequências à fauna. Ela explica que já existem indícios de que os teiús podem ameaçar a vida das tartarugas-verdes (Chelonia midas) e do mabuia, o lagarto de Noronha.
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Tartaruga-verde é ameaçada através da predação de seus ovos pelos lagartos — Foto: Dirceu Martins / TG
Realidade semelhante ocorre com os gatos. Pesquisadores do Instituto Brasileiro para Medicina da Conservação (Tríade), da Universidade de São Paulo (USP) e do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN), estimaram a população em 1,3 mil indivíduos, uma densidade de 50 gatos/km².
Micheletti conta que, no caso do acúmulo de gatos, o descuido dos proprietários, o instinto de autossuficiência da espécie e a alta capacidade reprodutiva os tornaram ferais. Quando soltos na natureza, deixaram de ser animais domesticáveis e passaram ao status de selvagens.
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Gato devora Mabuia, espécie de lagarto endêmica de Fernando de Noronha — Foto: Clemente Coelho Jr/Acervo Pessoal
Junto a uma equipe composta por pesquisadores, veterinários e professores, a bióloga está envolvida em um projeto que prevê o manejo das espécies invasoras para retomada gradual da biodiversidade do arquipélago. “Com o programa, estamos confirmando suspeitas antigas de que as populações de mabuias e aves marinhas vêm diminuindo no arquipélago e que gatos, ratos e teiús são grandes responsáveis por isso”, explica ela.
Buscando a erradicação de espécies nocivas, castração de outras e a devolução, quando possível, ao continente, espera-se que a retomada das populações descritas seja obtida em médio ou longo prazo. “Não me surpreenderia, também, se houvesse uma recuperação de corais e peixes ao redor da ilha, como já foi demonstrado em outros lugares”, prevê Micheletti.
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Após estudo e observação, campanhas de castração e posse responsável foram medidas do Programa — Foto: José Carlos Roble Jr/Acervo Pessoal
A curto prazo, uma conquista já foi alcançada: a conscientização dos ilhéus sobre o problema. Com a ciência cidadã, a população se tornou um agente mobilizado na proteção da diversidade do arquipélago.
Com doze anos de existência, o Programa de Manejo foi criado pelo Tríade e já conta com parcerias com o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PARNAMAR) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
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O Programa compreende as dinâmicas e simula cenários de manejo para as populações — Foto: James Russell/Acervo Pessoal
Introduzir espécies não é de hoje
Os grãos, os vegetais e a maioria dos animais de produção vistos hoje em terras brasileiras são originários de outros continentes. Foi através da introdução que o cultivo e a criação se expandiu para todo o mundo.
Até mesmo no arquipélago de Fernando de Noronha, outras espécies foram instaladas sem que gerassem prejuízos. Um exemplo disso é o roedor mocó (Kerodon rupestris), considerado apenas exótico por não gerar grande impacto negativo do ponto de vista social, ecológico ou financeiro para o local.
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Descoberta do mocó como espécie exótica foi uma das vitórias do Projeto — Foto: Arquivo TG
Enquanto alguns processos são positivos para estabelecer a diversidade, introduções como a do javali no Brasil geraram problemas. Originária do Norte da África e Eurásia, a espécie tornou-se devastadora e, além de predadora voraz, também foi descoberta como reservatório de doenças importantes.