
Só no Brasil 38 milhões de animais são retirados da natureza por ano; plataformas online facilitam negociação e venda.
O acidente de um estudante com uma naja, no Distrito Federal, na última semana, trouxe à tona um assunto antigo e preocupante: o tráfico de animais silvestres no Brasil. Do dia em que a cobra foi encontrada até agora, o Ibama já resgatou outras 32 serpentes no Distrito Federal. No entanto, essa é uma pequena parcela quando analisamos o cenário do tráfico.
De acordo com o coordenador geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), Dener Giovanini, cerca de 38 milhões de animais são retirados da natureza, por ano, no Brasil. A prática movimenta bilhões: considerada a terceira maior atividade ilícita do mundo, o tráfico gera pelo menos 10 bilhões de dólares por ano.
Os países com maior variedade de espécies são os preferidos pelas organizações criminosas. “O Brasil sempre exportou para a Europa, Estados Unidos e para o mercado asiático, no entanto, o País começou a se destacar também pela importação ilegal de animais exóticos como aranhas, escorpiões e serpentes vindas principalmente do sudoeste asiático e da Austrália”, detalha.
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Quase todas as espécies da fauna brasileira são traficados como animais de companhia — Foto: Divulgação/Instituto Vida Livre.
Tráfico online
A prática ilegal atende a uma série de interesses, como por exemplo a venda de animais como pets, comércio para colecionadores particulares, tráfico para fins de pesquisa científica não autorizada, além da caça para alimentação e matéria prima da medicina tradicional. “O que mais preocupa é a facilidade que os traficantes encontram na internet. O tráfico online cresceu assustadoramente nos últimos cinco anos, principalmente através das redes sociais. Os criminosos usam as mídias como vitrine, substituindo as tradicionais feiras livres pelo mundo digital. Hoje é ainda mais rápido e fácil negociar a venda de um animal silvestre”, comenta Dener, que destaca o trabalho de monitoramento dessas redes criminosas.
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Grupos nas redes sociais são ‘vitrines’ para a venda ilegal de animais — Foto: Divulgação/Renctas
“Ano passado monitoramos grupos de WhatsApp por cinco meses e interceptamos três milhões e quinhentas mil mensagens relacionadas ao tráfico de animais. Por isso, seguimos com o monitoramento diário dessas redes sociais, identificando o comércio, catalogando e encaminhando os dados para as autoridades ambientais”, diz.
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Panorama do tráfico de animais silvestres: Brasil é um dos Países que mais exportam — Foto: Arte/TG
Esse tipo de mercado preocupa muito. Inúmeras espécies silvestres são comercializadas sob diversos aspectos, não só em dinheiro, mas também trocadas por favores, produtos e serviços
Dener ressalta que a frágil fiscalização do tráfico de animais dificulta o combate ao crime. “O que mais prejudica a fiscalização é a falta de prioridade que o meio ambiente tem nas pautas governamentais. O que temos, na verdade, são órgãos ambientais com fiscais e funcionários extremamente dedicados, com garra e vontade de trabalhar, mas na grande maioria sem as condições necessárias para efetuar a função. Falta investimento, não só em dinheiro, mas também em treinamento, capacitação e equipamentos”, revela.
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As aves são uma das espécies mais traficadas ao longo da história — Foto: Divulgação/Instituto Vida Livre
Portas abertas para doenças
Além de priorizar os temas ambientais nas pautas políticas, o especialista destaca a necessidade de aprimorar a legislação e de conscientizar a sociedade, uma vez que o tráfico não só prejudica a biodiversidade, mas também abre portas para uma série de doenças. “Ao comprar um animal silvestre ilegalmente, a pessoa comete um crime e ainda facilita a entrada de doenças no País. Sabemos que a natureza é o principal refúgio de micro-organismos, ainda desconhecidos da medicina, que podem provocar doenças emergentes e devastadoras para a saúde pública”.
De 60 a 70% das doenças existentes no mundo são doenças zoonóticas, tendo o animal como agente causador, como vetor, transmissor ou reservatório
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Os pangolins são um dos mamíferos mais traficados do mundo — Foto: Keith Connelly/Arquivo Pessoal
“Não adianta investir em um ótimo sistema de vigilância sanitária, pois o tráfico não se submete a nenhum tipo de controle. Ao entrar no País, os animais facilitam a circulação de micro-organismos que podem desencadear epidemias e pandemias graves, como a que estamos vivendo nesse momento. Afinal, há uma grande suspeita de que o coronavírus tenha surgido em animais silvestres traficados”, completa.
“É importante agir, seja denunciando quem pratica essas atividades, ou conscientizando a família, os amigos e a população como um todo, para que cada vez mais tenhamos pessoas responsáveis e efetivamente preocupadas com o meio ambiente. Só assim vamos enfrentar esse problema e tentar trazer um pouco de paz e respeito aos nossos animais silvestres”, finaliza Dener.
A presença de espécies invasoras em determinadas regiões também é resultado do tráfico. Quase 100% dos saguis vistos na região sudeste, por exemplo, são os saguis invasores: o de-tufos-brancos, o de-tufos-pretos ou híbridos entre os dois
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Saguis-de-tufos-pretos foram levados a outros biomas pelo tráfico de animais — Foto: Arquivo TG
Consciência
A conscientização é bandeira levantada também pelo diretor do Instituto Vida Livre, Roched Seba, que há cinco anos atua no resgate, reabilitação e soltura de animais silvestres. “O tráfico de animais é um dos crimes mais antigos do Brasil. Os animais abasteciam o mercado europeu de fauna silvestre exótica antes mesmo da extração do pau-brasil”, conta.
“Aqui não existe uma conscientização ou algum tipo de constrangimento social e moral pela prática da manutenção de animais em situação irregular. As pessoas não identificam a posse ilegal de uma espécie como um problema”, diz Roched, que destaca a importância de interferir em questões culturais e contar com o apoio da sociedade.
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Polícia apreende 306 filhotes de papagaio e um de arara em rodovia de MS — Foto: Divulgação/PMA
“A gente precisa evoluir não só no ponto de vista da condição legal e jurídica, mas principalmente mobilizar a população de forma educativa. As pessoas precisam entender que não é bom, não é saudável e nem ético privar um animal de liberdade”, completa.
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80% dos animais tratados pelo Instituto Vida Livre são vítimas do tráfico — Foto: Divulgação/Instituto Vida Livre
“Com o tráfico perdemos biodiversidade e perdemos potencial de pesquisa e de conhecimento sobre o nosso próprio ecossistema. Cada animal que se perde é desconhecimento científico imediato. Fora todos os riscos do contato direto com os animais, como riscos de doenças e acidentes”, diz.
Além de desproteger e afetar a manutenção dos ecossistemas, o tráfico deixa marcas em cada um dos indivíduos que, mesmo resgatados, nem sempre voltam à vida livre. “A trajetória de um animal que é capturado em uma floresta e vendido para viver em uma gaiola, em uma caixa ou em um aquário é uma trajetória cruel. Os bichos comem comidas que não estavam acostumados e passam por condições absurdas de transporte, a ponto de serem levados em garrafas, caixas, dentro de travesseiros e até costurado em roupas”, relata.
Fonte: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/terra-da-gente/noticia/2020/07/16/trafico-de-animais-e-pratica-criminosa-que-prejudica-biodiversidade-e-facilita-a-disseminacao-de-doencas.ghtml