Estudo mostra que muitas espécies com status grave de ameaça de extinção estão entre as mais procuradas por traficantes; Brasil preocupa por causa da captura de aves

SÃO PAULO — Um estudo que analisou dados de mais de 30 mil espécies de vertebrados terrestres (aves, mamíferos, répteis e anfíbios) constatou que quase um quinto delas (18%) tem sido alvo de tráfico de animais silvestres .
O trabalho, coliderado pelo ecólogo brasileiro Brunno Oliveira, da Universidade da Flórida, inspira urgência em combater o problema: muitas espécies com status grave de ameaça de extinção estão entre as mais procuradas por traficantes.
Entre aquelas consideradas “criticamente ameaçadas”, 25% estão sendo contrabandeadas como animais de estimação exóticos ou capturadas para extração de subprodutos como peles e outros materiais.
Para fazer o estudo, os pesquisadores cruzaram bancos de dados de grande volume da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza), que monitora populações de espécies, com registros da Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção).
— A gente teve que escavar informação, criando um algoritmo de mineração de dados, como se fosse um robô que lê todos esses bancos de dados para procurar palavras chaves, como “pets”, “carne” “uso medicinal” e outras coisas — diz Oliveira.
Além de identificar e quantificar as espécies ameaçadas, o estudo fez um mapa global apontando as regiões críticas do problema. O Brasil preocupa principalmente por causa da captura de aves ao longo do Rio Amazonas e na costa sudeste da Mata Atlântica , além de anfíbios em toda a bacia Amazônica.
O tráfico de répteis ameaça particularmente a biodiversidade da Austrália, e as ameaças a mamíferos estão concentradas na África subsaariana e no Sudeste Asiático. Os resultados estão em um estudo na revista “Science”.
Pesquisa também aponta quais são as próximas vítimas
Além de apontar quais são as 5579 espécies de vertebrados terrestres que estão na mira dos traficantes , os pesquisadores buscaram identificar outras 3.196 que são potenciais vítimas. Frequentemente os traficantes mudam de alvo quando já não conseguem achar uma determinada espécie à beira da extinção, e escolhem outra parecida para explorar.
Nessa categoria, Oliveira identificou vários pássaros sul-americanos do gênero Tangara, que são muito cobiçados por colecionadores por causa de sua penugem com cores vivas e variadas, e são potencial alvo de traficantes no Brasil.
— Nós identificamos 46 espécies de Tangara com nossos modelos como tendo alta probabilidade de serem comercializados no futuro — conta Oliveira. — Atualmente essas espécies não são listadas nos apêndices da Cites nem ameaçadas segundo a IUCN. E todos esses pássaros ocorrem no bioma Mata Atlântica.
Segundo os pesquisadores, o cruzamento de dados das duas instituições indica que o problema do tráfico de animais silvestres é uma ameaça maior do que se imaginava para a biodiversidade global, já prejudicada com a perda de habitat de muitas espécies. Os dados do novo estudo, dizem os pesquisadores, são ferramentas para que autoridades de proteção ambiental possam proteger espécies mais alvejadas antes de estas entrarem à beira da extinção.

Pangolins asiáticos tiveram suas populações reduzidas porque em algumas culturas suas escamas ganharam uso espiritual e em medicina alternativa. Quando a variedade asiática do pangolim já estava escasseando, o tráfico internacional começou a alvejar o pangolim africano, que agora também está ameaçado.
Segundo a Renctas (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres), um problema particularmente grave no Brasil é a constatação de que muitas espécies raras encontram-se numa situação apelidada de “círculo da morte”.
— Quanto mais ameaçada é uma espécie, maior é o valor que ela alcança no mercado ilegal, e isso aumenta a demanda, que cria ainda mais pressão na população da espécie, e o ciclo continua — explica Dener Giovanini, coordenador-geral da Renctas —- A espécie que entra nesse círculo está praticamente condenada.
A ONG, que atua no trabalho de campo para combate ao problema no Brasil, colheu evidências recentes de que até mesmo o mico-leão-dourado, espécie com população total de cerca de 2.000 indivíduos agora, ainda é alvo de traficantes internacionais.
— Já existem iniciativas nesse sentido para combater tráfico de humanos e tráfico de drogas — diz Oliveira. — Seria possível, em princípio, usar essa abordagem para combater também o tráfico de animais.
Dener e a equipe da Renctas estão investindo em investigar uma outra plataforma: o WhatsApp.
— Neste ano, durante cinco meses, a gente monitorou o comércio ilegal negociado em 200 grupos de WhatsApp — conta. — Nesses meses, juntamos 3 milhões de anúncios de animais sendo vendidos.
O material, diz, tem sido entregue ao Ministério Público Federal e à polícia.